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POR QUE A ACADEMIA DE LETRAS PRECISA PISAR NA SALA DE AULA PÚBLICA

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Tony Borba de Melo*

Eu sempre acreditei que palavras não foram feitas para ficar trancadas em livros de capa dura ou discursos solenes. Elas precisam circular, esbarrar em gente, provocar perguntas, incendiar imaginários. E é por isso que me incomoda ver tantas Academias de Letras — essas guardiãs oficiais da língua e da literatura — vivendo como se fossem sociedades secretas, com seus rituais distantes das ruas. Se queremos mesmo transformar o capital cultural em algo vivo, é hora de essas instituições saírem de seus casarões e entrarem nas escolas públicas, não para dar aulas magnas, mas para ouvir, trocar e, principalmente, aprender.

Já passei por escolas municipais onde os alunos acham que Machado de Assis é nome de posto de saúde, e não os culpo. A literatura chega a eles como um fardo, uma lista de nomes mortos que precisam ser decorados para a prova. Mas e se, em vez disso, um acadêmico — aquele senhor de terno que eles só veem na TV — sentasse no chão da sala e lesse um conto como quem conta uma fofoca? Ou se uma imortal da Academia organizasse uma oficina onde os alunos pudessem escrever suas próprias histórias, sem medo de errar a concordância? O impacto seria imenso, não porque a Academia “iluminaria” os pobres ignorantes, mas porque mostraria que a língua pertence a todos, não só a uma elite de doutores.

Não se trata de caridade, mas de sobrevivência. A Academia de Letras, se quiser continuar relevante, precisa entender que seu capital simbólico não vale nada se não for compartilhado. Quantos jovens talentos se perdem porque nunca tiveram contato com quem poderia abrir portas? Quantos escritores mirins, das periferias e dos interiores, deixam de acreditar na própria voz porque ninguém lhes diz que ela importa? A escola pública é o terreno mais fértil para essa semeadura. E os acadêmicos, em vez de ficarem recitando sonetos entre si, deveriam estar lá, plantando inquietação.

Claro, há quem diga que isso é “desvirtuar” a Academia, que seu papel é preservar a língua culta, não misturar-se com a “gíria do povo”. Mas essa é justamente a armadilha: a língua não é um museu, é um rio. E se a Academia não mergulhar nele, vai virar peça de antiquário. Já vi, em projetos pontuais, o que acontece quando um poeta acadêmico vai à escola: o garoto que odiava redação descobre que pode rimar seu nome com “liberdade”; a menina tímida entende que sua história favelada também é literatura. Isso não é assistencialismo — é revolução.

Por fim, defendo que as Academias de Letras incluam em seus estatutos uma cláusula informal: nenhum membro pode ser imortal se não passar pelo menos um dia por ano em uma escola pública. Não para palestrar, mas para conversar. Porque no fim das contas, o que faz uma sociedade letrada não são os títulos, mas os encontros. E se as palavras não chegarem às salas de aula vazias, aos corredores pintados de giz, aos ouvidos dos que nunca tiveram um livro próprio, então que sentido tem guardá-las sob chave de ouro?

*Tony Borba de Melo é um multiartista cuja atuação se destaca na literatura, especialmente na poesia, atual presidente da Academia de Letras do Jaboatão dos Guararapes.

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