
80 anos de A Revolução dos Bichos: quando os animais falaram sobre o poder
Por Redação NL – Notícia Livre
Em 17 de agosto de 1945, em plena ressaca da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido recebia um pequeno livro de pouco mais de 100 páginas que se tornaria um gigante da literatura mundial. Publicado como Animal Farm: A Fairy Story, e traduzido no Brasil como A Revolução dos Bichos, de George Orwell, a obra é hoje reconhecida como uma das mais afiadas alegorias do século XX sobre a corrupção do poder.
George Orwell: entre a literatura e o campo de batalha
George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em 1903 na Índia Britânica e estudou em colégios ingleses de elite. Após servir na polícia colonial na Birmânia, retornou à Europa para se dedicar à escrita e ao jornalismo. Seu olhar crítico se formou em experiências diretas com a desigualdade social e a opressão política.
Ao lutar na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Orwell não apenas enfrentou as tropas franquistas: viu, estarrecido, a repressão violenta promovida por facções comunistas contra aliados que defendiam um socialismo democrático. Esse choque o marcou profundamente — e foi um dos germes criativos para A Revolução dos Bichos (ORWELL, Diários de Guerra, 2016).
A Inglaterra em guerra e a fábula que quase não foi publicada
Resumidamente, A Revolução dos Bichos é a história de animais que expulsam os humanos de uma fazenda para instaurar uma sociedade justa e igualitária. Mas, à medida que os porcos — liderados por Napoleão — assumem o controle, a promessa de igualdade se dissolve, dando lugar a uma tirania tão ou mais cruel que a anterior.
Orwell não escondia as referências: Napoleão é Stálin; Bola-de-Neve é Trotsky; a “Batalha do Estábulo” ecoa a Revolução de 1917; e a frase final — “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros” — tornou-se um dos aforismos políticos mais conhecidos do mundo (HITCHENS, Por que Orwell Importa, 2003).
Curiosidades e bastidores
Orwell considerava A Revolução dos Bichos sua primeira obra em que fundiu intenção política e arte literária em unidade completa.
O subtítulo original, A Fairy Story, foi retirado em edições posteriores, pois alguns editores temiam que a fosse vista como infantil demais.
A obra já foi adaptada para cinema, teatro, rádio e até animação, com nova versão anunciada em 2025, dirigida por Andy Serkis.
O desencanto com a Revolução
Orwell acreditava no socialismo democrático. Seu problema não era a ideia de revolução, mas o que ela se tornava sob regimes totalitários. Ele viu, tanto na Espanha quanto na URSS stalinista, como a concentração de poder distorcia qualquer ideal inicial (CRICK, George Orwell: A Life, 1980).
Na introdução à edição ucraniana de 1947, foi direto: o objetivo da fábula era “acabar com o mito soviético” para que o socialismo pudesse ser reconstruído sobre bases éticas.
O legado 80 anos depois
Em tempos de polarização e discursos extremados, a fábula de Orwell segue sendo leitura obrigatória — não apenas como crítica ao comunismo, mas como alerta sobre qualquer forma de poder que, uma vez conquistado, tende a se perpetuar.
Christopher Hitchens resumiu bem: “Orwell não estava contra a esquerda, mas contra a mentira. E contra a mentira, não há regime inocente” (HITCHENS, 2003).
Referências
ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. Companhia das Letras, 2007.
ORWELL, George. Diários de Guerra (1938-1942). Companhia das Letras, 2016.
BOWKER, Gordon. George Orwell. Companhia das Letras, 2005.
HITCHENS, Christopher. Por que Orwell Importa. Globo Livros, 2003.
CRICK, Bernard. George Orwell: A Life. Secker & Warburg, 1980.
MEYERS, Jeffrey. Orwell: Wintry Conscience of a Generation. W.W. Norton & Company, 2000.
Imagem: Reprodução
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