
NABUCO E OS MOVIMENTOS POPULARES
Por Marcelo Mário de Melo*
Em 19 de agosto de 1849 nascia no Recife Joaquim Nabuco. Originário da elite, ele atuou, basicamente, no parlamento, na imprensa e nas instâncias legais, estendendo-se às conferências em teatros e a manifestações de rua. Fez articulações internacionais com abolicionistas ingleses e chegou a ter uma audiência com o papa, em nome do abolicionismo.
Nabuco não fazia parte da articulações voltadas para a mobilização direta dos segmentos que compunham a plebe do seu tempo, mas não as condenava e se relacionava bem com as suas lideranças. Tinha fortes ligações com José Mariano, integrante do Clube do Cupim, entidade que recolhia fundos para o apoio a escravos fugitivos. Também era próximo de José do patrocínio, que além do ativismo jornalístico, atuava em manifestações de rua, muitas vezes, marcadas por confrontos com forças policiais..
Na “carta ao correligionário”, de 18 de outubro de 1887, Nabuco afirma que “não há abolicionismo político ou parlamentar sem que exista no país esse outro abolicionismo de ação popular, intransigente, e em imediato, que empurra os partidos e os governos para diante e conquista para o escravo, e para isso todos os meios que forem morais são legítimos, a liberdade a que ele tem o mesmo direito que o senhor. O abolicionismo político e parlamentar não é senão o freio da locomotiva, o vapor que a move é o abolicionismo popular, e nós estamos precisando neste momento de encher a caldeira e de aumentar a pressão porque o trem está parado…” Em O Abolicionismo, Nabuco dá o devido crédito à vertente popular na luta contra a escravatura, ressaltando o papel de José do Patrocínio.
Esse posicionamento de Nabuco decorria, em parte, da sua apreciação negativa dos partidos políticos, que considerava subordinados ao poder econômico. E também se fundava na sua intervenção política programática, em que a análise dos problemas e as propostas apresentadas partiam de uma visão nacional.“
“… Estou mais identificado com o abolicionismo do que com qualquer partido que me parecem todos igualmente plutocratas. Eu hoje luto por idéias e não por partidos. Nas idéias sou intransigente; quanto aos partidos, não me presto mais a galvanizá-los. Estão mortos e bem mortos. Para fazer coisa nova é preciso novos instrumentos. Os que nos vieram da escravidão são cabos de chicote e pedaços de tronco que não servem para a reorganização do país”. Nabuco defendia partidos com estofo nacional. “O nexo entretanto do partido não pode ser outro senão a federação…”, afirmou.
Ele entrava em aguda contradição com a plutocracia do seu tempo e as estruturas político-partidárias que a representavam, também, pelo fato de não resumir a luta abolicionista ao efeito jurídico da abolição, mas propor um passo à frente, com a inclusão social dos libertos, através do acesso à terra, ao trabalho livre e à educação. Contradição que se acentuava com a sua crítica ao capital financeiro. “Eu oponho-me aos bancos porque quero a pequena propriedade, a dignidade do lavrador, do morador, do liberto – a formação do povo, que está ainda abaixo do nível dos partidos. Não considero o interesse de nenhum partido, mas somente o do povo…”.
Aí se delineia uma divisão recorrente na história do Brasil, no campo dos progressistas, reformadores, liberais e democratas. Há aqueles que se detêm nos limites dos direitos políticos gerais. E os que avançam em propostas de alargamento dos direitos econômicos para a base da pirâmide social, afetando assim o patrimônio da classe dominante. Nabuco figurava nesse segundo time.
É emblemática a libertação dos escravos sem a abordagem da questão agrária. Desde a abolição da escravatura, a burguesia brasileira vem rejeitando todos os projetos de reforma agrária. Derrotou no parlamento os encaminhados pelo PTB e por Josué de Castro. Esmagou. Com o golpe de 1964, o de João Goulart. Manteve intocado o latifúndio na constituição de 1988.
Cem anos depois da morte de Nabuco, a questão agrária continua a ser empurrada com a barriga, no conta-gotas dos recursos do INCRA. Temos o bolsa família. Discutimos a política de cotas na educação. Há uma lei tratando do preconceito racial e atestando que ele existe. Os excluídos são os escravos reciclado$. E a locomotiva política continua à espera do empurrão vitalizador dos movimentos populares.
(Artigo publicado no Jornal do Commércio, Recife, a algumas décadas atrás)
*Marcelo Mário de Melo é poeta e jornalista
Imagem: Reprodução / Divulgação
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