POESIA, PARA QUÊ?
Por Julia Lemos*
A poesia é uma vitória — sobre as palavras úteis, claras, diárias. Ela rompe com o costume da linguagem domesticada, como queria Manoel de Barros, aquele que aprendeu a ver grandeza no ínfimo e a pescar silêncios com vara de fazer ausências.
Poesia é o avesso do uso. É o inútil necessário. Um inuntensílio, como diria o próprio Manoel, mas que desloca o olhar para o ponto cego — aquele lugar onde o mundo permanece inédito.
Não é ofício de vagabundo. É o trabalho secreto de quem, como Octavio Paz dizia, “se rebela contra a linguagem que o oprime.” O poema é um intervalo entre o nada e o tudo, com uma fortaleza no meio
sendo lentamente derrubada — pedra por palavra.
Um livro de versos é um artefato de sentidos secretos. Não entrega nada — mas devolve tudo que se perdeu em nós. É feito de nadas na mais alta grandeza.
Com poesia não se adquire poder. Não se compra segurança. Ela não serve pra coisa nenhuma —
e é por isso que serve: pra iluminar vácuos, pra aquietar o espírito que nem sabia que ansiava por paz.
Ela se instala no deserto, onde tudo parece ausência, e ali sussurra: não há objetivos. Só travessias.
Do outro lado do livro, há alguém como você. Alguém que transitou entre ruínas e delírios, que visitou abismos imaginários e conversou com os céus em silêncio.
E então, numa hora qualquer, vêm as palavras não acostumadas. As que não ferem. As que não gritam.
As que apenas acendem.
E por elas — ficamos alumbrados.

Nota da autora: “Escrevi este texto com base no meu ensaio sobre a Poesia de Manoel de Barros.”
*Julia Lemos é recifense, poeta e atriz



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